3.10.05

Quero aqui dar voz a alguns pontos na actual relação de autismo entre o mundo dos arquitectos, o estado do território e a classe decisória em Portugal. Ao que se juntam como subscritores*, críticos e outros arquitectos, designers, criativos, jornalistas e escritores.

1- Está em marcha há dois anos pela Ordem profissional uma pretensão real dos arquitectos em devolver a prática aos praticantes. Em 1973 por falta de licenciados (haveria cerca de 500 em Portugal) foi aprovada uma lei que permitia a não arquitectos, vulgo engenheiros, desenhadores, etc, assinarem projectos. O País necessitava tão urgentemente de construção de nova habitação como de liberdade e democracia. Ora esta lei que se previa transitória por via das habituais dificuldades, perdeu hoje todo o sentido.

2. Nos últimos dez anos duplicou-se o número de habitações sendo a média hoje disponível no mercado de 2 por família. Foram construídas mais em 10 anos (por imobiliárias com assinatura de desenhadores) do que as que herdamos em 10 séculos de história. A realidade dos factos e dos números revela 30 anos que transformaram Portugal num pesadelo uniforme de subúrbio terceiro-mundista. E existe também um rol inumerável de escolas de arquitectura que todos os anos lançam literalmente centenas de jovens para o desemprego. O decreto-lei de 73/73 é portanto hoje incomportável e deve ser revogado para permitir devolver aos arquitectos a sua justa função.

3- Compete aos arquitectos a pretensão à mudança desta lei. Porém estes têm tido o abandono das vozes que poderiam ter peso, tal como os longos tempos de pousio entre as intenções políticas já manifestadas. A Ordem e os arquitectos esforçando-se certa e arduamente vêm-se ainda tutelarmente em 1973, contra a vontade própria e as necessidades do país. Assiste à sociedade portuguesa o direito a uma arquitectura e urbanidade civilizadas. A classe política pede repetidamente envolvimento e responsabilidade à sociedade civil. Cá estamos, arquitectos e não arquitectos.

4- Apelo aqui aos dirigentes responsáveis, aos Ministros do Ordenamento do Território e das Obras Públicas assim como aos Secretários de Estado da Habitação e das Obras Públicas. Há dois anos o Dr. Freitas do Amaral deu um parecer favorável à alteração desta lei a pedido da Ordem. Hoje é ministro. Mostre-nos com a responsabilidade do poder o que por palavras nos disse. Devolver a prática da arquitectura aos arquitectos é criar as condições para o fim do descalabro que há anos vem destruindo o território nacional e criando guetos de periferias enquanto os centros se esvaziam e se deixa ao apodrecimento o património histórico do parque habitacional.

5- Apelo igualmente ao Presidente da República. Ao actual e ao próximo. Este é um problema de ordem nacional, supra partidos e interesses profissionais. Assistimos em cada hora que passa à destruição do País precisamente porque a maioria dos arquitectos que, como eu, tentam profissionalmente actuar, se vêm distanciados daquilo para que estudaram. Pela mesma ordem de razões estariam nos hospitais condutores de ambulância a operar ou nos tribunais seguranças privados premiados com a toga e o martelo das decisões judiciais. Como tal, esta é a sua luta, senhor Presidente, enquanto desígnio da identidade da nação. Em todos os outros estados civilizados a arquitectura é uma das fortes caras da nação. Em Portugal continua um filho menor, premeiam-se os bravos indivíduos, e deixam-se aqueles que são o corpo da profissão, os jovens, os arquitectos das Câmaras, os que se aventuram a abrir escritório, sem oportunidade ou desejo de encetar via académica, sós no deserto dos compromissos minados. Os que tentam honrar simplesmente a sua vontade e o seu destino.

6- Apelo aqui ao Parlamento Português. Aos diversos partidos assim como a própria presidência da Assembleia. É um bem de cada um de Vossas Excelências que está aqui em causa. A integridade e identidade nacional do património construído. É aquilo que deixamos mais directamente às gerações de Portugueses que virão. Esperamos que não almejem deixar como a memória do início do séc. XXI o pato-bravismo actual.

7- A Ordem do Arquitectos procura esta concertação com persistência, encarregados profissionalmente da representação de todos os seus associados. Porém a realidade exterior é menos bafejada de lucidez. Há jogos externos, há interesses das outras profissões, há tempos mortos de reposição da ordem moral aqui em falta que convêm a outros. Espero que os novos dirigentes nos deixem como legado desta legislatura a resolução deste problema já muito batalhada por todos os anteriores. A Presidente da Ordem, Helena Roseta, é uma política experimentada e partilhando os corredores do poder já conseguiu do Parlamento uma aprovação desta intenção. Que os arquitectos encontrem finalmente o seu ofício.
Caso contrário permanece em estagnação a realidade obscura e difícil de quem faz arquitectura real no país real. Milhares de pessoas com canudo perdidas no oceano do vale tudo das assinaturas dos projectos e um horrendo país construído, periférico do mundo.

8- A arquitectura portuguesa tem várias gerações que nunca quiseram nem querem furtar-se aos verdadeiros problemas deste País. Têm a maturidade, a coragem, as ideias próprias e o talento para o fazer. Os recém licenciados estão prontos para as responsabilidades que lhes devem ser acometidas. Todos os estudantes de arquitectura deste país têm direito a uma possibilidade de futuro.
Apelo por fim principalmente a si, senhor Primeiro-Ministro, tenha a ambição de os responsabilizar, queira abrir a porta a um país com várias gerações de arquitectos com orgulho e qualidade.

Não os desperdicem.

*Subscrito por: Pedro Gadanho, Luís Tavares Pereira, Diogo Seixas Lopes, Pedro Bandeira, Cristina Guedes e Francisco Vieira de Campos (- é +), João Mendes Ribeiro, José Mateus (ARX Potugal), Paulo Martins Barata (Promontório), Desirée Pedro e Carlos Antunes (Atelier do Corvo), Célia Gomes e Pedro M Costa (a.s*), Carlos Santana (S'A), Marcos Cruz (Marcos & Marjan) Paulo André Rodrigues (PAHR!), Susana Ventura, Helena Pinto, Pedro M.A. Silva (P.S.:BF), João Miguel Amaro Correia (hardblog), Tiago Lopes Dias (blog allegronontroppo), Carla Guerra, arquitecta (blog cenáriodeguerra), Alexandre Bettencourt (estudante arq), António Gomes (Barbara Says), Nuno Costa Santos, Paulo Pinto Mascarenhas, Ricardo Fonseca, João Bonifácio, ...


blogs que reagiram e abriram debate nos comentários (os que nos passam despercebidos sffv enviar mail):

O Acidental
A Tesoura
postHABITAT
HardBlog
arqportugal
P.S.:BF- Oficina de Arquitectura
Xatoo

A Mão Invisível
ALLEGRO MA NON TROPPO

Nota - Este texto foi escrito em 2004 por impulso individual aquando das eleições para a ordem dos arquitectos como lembrete pessoal meu aos novos dirigentes do assunto pendente. Na altura igualmente deu-se a dissolução da assembleia e queda de governo. Agora, com novos interlocutores, e a propósito do texto do arq. Pedro Gadanho, A geração silenciosa lembrei-me do mesmo e publiquei-o, subscrito por quem assim o entende no contexto do estado democrático de direito.

Porto, 26/9/2005